Por Camila Salles
Parte da rotina das indústrias farmacêuticas e institutos de pesquisa, o desenvolvimento de novos fármacos – cada vez mais eficazes, menos tóxicos, e capazes de promover a saúde com maior qualidade de vida –, exige alto investimento, da ordem de centenas de milhões de dólares, e também um grande mercado para ressarcir tais investimentos.
No maior mercado farmacêutico do mundo, os EUA, a indústria farmacêutica aplicou, em 2000, cerca de 21% de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), enquanto que a indústria de informática investiu cerca de 10,5%, a de produtos elétricos e eletrônicos 8,4%, a de telecomunicações 5,3% e a aeroespacial e de defesa 3,8%, segundo dados da Pharmaceutical Research Manufacturers of America (PhRMA).
Enquanto o processo desde a descoberta da molécula até seu lançamento no mercado pode demorar de 10 a 16 anos, o direito de exclusividade para exploração (produção e comercialização) de uma produtos e processos farmacêuticos é de 20 anos. Como a patente de produto ou processo deve ser requerida logo após sua descoberta, o tempo para obtenção do retorno do investimento é curto, às vezes inferior a 5 anos. Os altos custos, o longo tempo necessário para o desenvolvimento de um novo medicamento e o curto tempo para ressarcimento faz com que os preços dos medicamentos inovadores sejam elevados.
Então, entramos numa discussão mais calorosa: quando os altos preços dos medicamentos dificultam o acesso da população ao tratamento podem ser quebradas as leis de patentes? É sobre esse assunto que Caroline Carrion fala no texto a seguir.
As patentes podem se sobrepor aos direitos humanos?
Por Caroline Carrion*
O direito da propriedade intelectual tem por objetivo principal garantir a difusão universal de conhecimento, incentivar a pesquisa científica e produção artística. Tal movimento seria garantido através da concessão de um monopólio de exploração aos autores por um período de tempo limitado. Porém, essa lógica se torna frágil quando as patentes, ao invés de difundir o conhecimento, dificultam o acesso que as economias, principalmente as de países em desenvolvimento, têm a ele.
Tal contradição tende a ser ainda mais presente ao se tratar de medicamentos, especialmente os anti-retrovirais (ARVs) utilizados para o controle do vírus do HIV, que atinge cerca de 40 milhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com estimativas do Ministério da Saúde, o número de infectados no Brasil é de 600 mil, mas cerca de 400 mil deles não estão cientes de sua condição. O Programa Nacional de DST/Aids atua em duas frentes: uma forte atividade de prevenção da doença, através de campanhas de conscientização, distribuição de preservativos e disponibilização de informações; além do fornecimento gratuito de coquetéis anti-retrovirais para todos os pacientes soropositivos notificados que se enquadrem nos critérios para entrada em terapia (portadores de HIV em estágio intermediário, mas ainda sem o desenvolvimento de Aids).
O coquetel anti-retroviral é composto por 17 diferentes medicamentos, dos quais oito são protegidos por patentes. Desses, quatro respondem por cerca de 60% do gasto anual brasileiro na compra de ARVs, que, por sua vez, corresponde a ¼ da receita nacional destinada à aquisição de remédios. Como a maioria dos países em desenvolvimento não têm tecnologia ou acesso a matéria-prima para produzi-los, acabam por se tornar dependentes dos grandes laboratórios. Os altos preços, no entanto, restringem o acesso que têm aos medicamentos. E é a partir desse momento que os interesses privados, sejam do inventor, sejam das indústrias farmacêuticas, acabam por se sobrepor aos direitos humanos. * Estudante de Jornalismo na Universidade de São Paulo (USP). Leia a matéria completa aqui.
